sábado, 28 de dezembro de 2024

Quando meus anseios irão terminar?

|| 2 comentários

 

Eu disse que ia escrever sobre esse jogo aqui, então lá vamos nós. 


    Esse texto já escreveu mais e melhor sobre o jogo The Longing, principalmente analisando o simbolismo e a filosofia por trás da obra. Eu gosto muito da análise simbólica, até porque é um jogo que tem trolls e cogumelos mágicos, e concordo que o Sombra não é um ser por si só, mas um desdobramento da mente do Rei, e que o reino subterrâneo representa o luto. Não por acaso, a única forma de acessar os finais que envolvem sair para a superfície exigem que o personagem enfrente a Angústia, que mais parece uma imagem espelhada dele mesmo. Eu amo como é basicamente uma fábula, não a toa tem muitas delas entre os livros da biblioteca. Mas enfim, vou falar sobre do mesmo jeito.
    O que eu realmente queria deixar registrado é o quanto jogar esse jogo, principalmente nos primeiros dias, pareceu com viver. Você é colocado num universo que já existia antes e que funciona independentemente de você. A partir daí, você pode não fazer nada e esperar os 400 dias passarem, ou você pode andar e explorar as cavernas. Quando você vai andando mais pra longe o Sombra diz que o rei não gostaria que ele andasse pra longe... você pode continuar ou voltar, são escolhas. E a esse ponto, você nem sabe se vai existir algum tipo de consequência/punição ou não, por ter desobedecido o rei. Também existem muitas coisas escondidas nas cavernas, muitas dicas que podem ou não levar a uma descoberta, e que se você não achar, você nunca nem vai saber que perdeu.
Existem coisas que muito provavelmente eu não teria descoberto sem ter lido na internet sobre. Não hoje em dia, pelo menos, talvez no máximo há anos atrás quando eu passava a tarde jogando Tomb Raider e tentando descobrir a saída pra um labirinto. Por exemplo, a primeira vez que eu peguei uma picareta eu fui correndo tentar quebrar o vidro da sala do tesouro, mas a picareta se estilhaçou, e eu tive que esperar mais um bom tempo até conseguir pegar a picareta na cachoeira branca. Decidi nunca mais mexer com isso (depois descobri na internet que existem 4 picaretas no jogo e vc precisa usar 3 delas pra quebrar o vidro). Mas em geral a sensação era de coisas e consequências desconhecidas o tempo todo.

Mas falando sobre a história, dentro do jogo existe uma série de livros, começando pelos que estão listados abaixo:

domingo, 3 de novembro de 2024

I've never met a girl like you

|| Nem um Comentario
 Pequena colagem/recapitulação dos últimos dias


Tudo começou após assistir o BRAT dos filmes, A substância, 2024 (verde é a cor do ano mesmo, né), e eu tive uma reação bem, bem negativa a ele. Fiquei muito impaciente porque o filme não estava indo pra onde eu achava que ia, e o que eu observei nele (que era o que todo mundo estava falando sobre) parecia muito óbvio e repetitivo. Depois concluí que isso se tratava de sono e de não saber o enredo do filme de antemão. Aí começou uma maratona de filmes com enredo ou recursos semelhantes, graças a indicações muito boas (obrigado Jaquelyne) e que viraram minha maratona de filmes "spooky", aproveitando que estávamos em outubro (e eu só percebi isso quase no final do mês). Aqui vão alguns deles.

Monstro Elisasue e o rosto que ela um dia já teve e destruiu (ou foi destruído?), porque já não era suficiente pra performar, em A substância - 2024

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Por que me abandonastes?

|| Nem um Comentario

Você já assistiu a série Good Omens? Aquela mesma do anjinho e do demônio. Nela tem um céu e um inferno, e a única diferença entre os dois é a aparência; no fundo, ambos são "repartições públicas, que existem, mas não funcionam". É hilário. (1) 

Imagine que você é um pequeno anjo no meio de burocracias cósmicas. Você tem tarefas a fazer mas o que você de fato está vendo em campo parece nunca se alinhar com as instruções dos superiores. Quem manda de fato em tudo? você nunca nem viu, e só recebe notícias das novas ordens que vão afetar totalmente seu cotidiano como se fosse muito simples. Apesar disso você tenta aproveitar os momentos no caminho, mas sem mais nem menos pode rodar numa demissão em massa (a queda de Lúcifer e sua galera). Entra era e sai era, Jesus nasce, morre e ressuscita, e o grande plano pra o qual supostamente você e todo mundo estão trabalhando parece nunca se concretizar.

Particularmente agora eu me sinto como o Crowley e o Azirafel recebendo a notícia de que o Armageddon vai acontecer. Como assim Deus quer destruir a terra, ele não sabe das pequenas maravilhas que só existem aqui? Do alto do seu trono divino ele não tem noção do quanto tudo aqui é grandioso para as pessoinhas que experimentam as dores e delícias de ser humano, mas que para Ele são como formigas. Do quanto tempo foi preciso pra chegarmos até aqui, por mais que aqui não seja o ideal. Ah, ele criou tudo lá atrás sim, mas ele não esteve aqui junto com os pecadores faz um bom tempo. E nós não estamos mais no Jardim do Éden.

É irônico que bem no início da minha relação com ele eu costumava compará-lo a um pai ausente que só paga pensão, enquanto todo o trabalho era feito pela mãe. Eu também pensava que ele era como Deus, que comandava tudo, e ela a Nossa Senhora, a quem eu podia recorrer por ter uma relação mais próxima e acessível, que conseguia apaziguar ele (a bem da verdade ela batia de frente com ele e botava nos eixos mesmo, saudade). Mas infelizmente a Compadecida morreu, e nós, os degradados filhos de Eva, ficamos desamparados.

(É por isso que todos os escritores/filósofos escreviam tanto sobre Deus? Era tudo daddy issues?)

O que teria acontecido se Deus ordenasse que Jesus viesse à terra, mas não evangelizasse ninguém, nem tivesse discíplulos, só aparecesse, deixasse o pão e o vinho representando o corpo e sangue dele no meio da rua pra quem quisesse comer e beber, e subisse aos céus de novo?

Tá, acho que fui um pouco longe demais nas alegorias religiosas. Na verdade o assunto é bem menos místico e transcendental: educação. Por todas as definições e conceituações nobres que possamos fazer, eu prefiro pensar aqui que educação (no sentido mais abrangente) é uma tarefa bem mundana. De dia a dia, de inconstâncias, mas de costume, hábito, e de socialização, porque ninguém se educa sozinho. Por isso mesmo que não se educa de verdade à distância, por procuração, e menos ainda com ausência. Pessoas não se criam como Deus criou batatas. Ou se criam, e viram uma desgraça, mas enfim.

Eu achava que ia parar com as citações religiosas, mas eis-me aqui dizendo: tire as sandálias dos pés, porque o solo que você pisa é sagrado. 

Você recai em um pensamento conservador, por mais que não explicitamente, e apesar das melhores intenções. Porque querer que as pessoas façam uma determinada coisa só porque se fazia assim antigamente, sem considerar o contexto, é conservadorismo. E querer que as pessoas desenvolvam uma certa cultura sem que você estimule, sem que trace objetivos e tente compartilhar as ferramentas que você tem... Isso não é educar. Apesar disso, você espera que basta que as pessoas tenham contato com uma forma de arte e elas vão ter a mesma experiência catártica que você teve há décadas atrás, e isso vai ser suficiente pra elas quererem buscar mais por conta própria. Um típico traço das suas leituras impressionistas, românticas até, posso dizer. Só vai continuar não acontecendo, até você mandar outro dilúvio pra zerar a Terra e tentar fazer de novo do mesmo jeito querendo um resultado diferente.

Se parece muito ousada a autoridade com que eu faço certas afirmações, principalmente dirigidas a alguém infinitamente mais experiente do que eu, pelo menos eu posso dizer que a autoridade não é minha, e sim emprestada, e eu estou me apropriando de gente mais sábia. Uma vez uma mulher sábia disse que "nós da docência temos que estar sempre nos olhando", e isso às vezes parece uma bênção e uma maldição, mas não pode ser pior do que a cegueira de olhar e não ver. 

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(1) Acho interessantíssimo a representação do pós vida como um ambiente de trabalho, assim como em helluva boss. Definitivamente um sintoma dos nossos tempos... 

domingo, 6 de outubro de 2024

Essa não é uma resenha, pt. 2

|| 2 comentários
    Ultimamente além do mangá que eu estou lendo devagar e sempre, Monster, eu de vez em quando tenho me divertido explorando o MyAnimeList, vendo os mais variados títulos e suas diversidades de arte/traço, temáticas e ambientação, e também fazendo uma pequena listinha. De certa forma é um eco do meu eu do passado, usuário assíduo do Skoob, que tinha favoritos, listas de quero ler, e que dava estrelas pros livros. Agora eu lembrei que muito tempo atrás, provavelmente em algum momento de 2013 ou 14, eu já tive um blog de resenhas de livros. Não durou muito tempo e eu não sei porque parei de fazer também.

    Ok, após uma breve pesquisada eu consegui achar o meu antigo blog, que como eu desconfiava nunca tinha sido deletado, só abandonado. Pelo que eu tenho visto essa é uma prática comum e de vez em quando você topa algum blog que o último posto foi em 2010, 2016, 2021... Acho que eu abandonei porque eu queria uma frequência de postagens mais alta, sendo que eu não lia um livro toda semana; eu desconfio disso porque existe uma série de postagens (com apenas 2) em que eu postei top 10 livros relacionados a alguma coisa, como morte. O mais engraçado é que a maioria dos livros que eu reuni, eu não tinha lido... Qual o sentido de rankear eles então? Eu não faço a menor ideia. Eu tava atirando pra todo lado pra produzir conteúdo e naquela época não tinha como fazer dancinha. Tem também um top de personagens coadjuvantes, pelo menos todos são de livros que eu tinha lido (na minha concepção da época do que era ter lido). 
    Outro tipo de post são as resenhas, e gente, que cringe... Acho que é mais fácil fazer as pazes com sua criança interior do que com seu adolescente interior. É muito, muito interessante perceber como eu era um tipo de leitor, ou melhor, consumidor de livros, bem típico da geração, e moldado por tendências que eu vejo que hoje em dia só se acentuaram entre consumidores de livros infantojuvenis e teens (ou "adultos", vulgo livros com cenas sexuais).
    Primeiro que o meu universo era extremamente reduzido, apesar de na época eu achar que era grande. O que aconteceu era que eu tinha lido o mesmo livro várias vezes diferentes escrito por autores diferentes, com pequenos ajustes na receita. Não só isso mas as minhas referências também, porque até os exemplos que eu peguei do que eu não tinha lido eram de uma vertente bem específica de livros famosos no Skoob na época. Sim, antes do booktok e até do booktube nós tivemos ele. Sabe aquela fase em que você acha que atingiu um grande marco ao ler A revolução dos bichos, esse livro super importante, profundo e necessário... Então, era mais ou menos esse naipe.
    O último post do blog é de dicas pra ler livros em inglês e o que tem lá é o oposto de tudo que eu diria hoje. Fora isso, os outros posts são resenhas de livros que eu estava lendo na época (os dois últimos em inglês); talvez por eu passar bem mais tempo pra ler eles, eu parei de postar no blog. Tem uma coisa nas resenhas que me incomoda muito, a redação delas em si até que é okay, e tem alguns comentários falando que a minha escrita é boa, é só que não tem conteúdo nenhum.
    Quer dizer, ter tem, tem a premissa e sinopse dos livros mas lendo agora eu tive a sensação de que parecia uma publicidade, e eu nem me dava conta, sendo que não fugia do padrão de resenhas difundido na época (e até hoje em dia) nesses canais literários. Meio que você tem que falar sobre o livro sem realmente falar sobre ele, já que não pode dar spoilers consideráveis, ou mesmo que dê, seus comentários tem que ser mais pontuais e geralmente você iria falar sobre a surpresa que certo acontecimento te causou ou qual ser personagem preferido... Não tem realmente muito desenvolvimento, e essa é a proposta do gênero, afinal, resenha é diferente de análise. Por mais que a função da resenha seja falar sobre um texto pra alguém que ainda não leu, se tornou muito mais uma forma de divulgação gratuita feita por várias pessoas na internet em benefício das editoras dos livros do momento, sem nem elas perceberem isso. É fascinante perceber essas coisas com o distanciamento de alguns anos agora.
    Além disso, os próprios livros também não eram complexos assim que rendessem análises individuais. Eu acho sim que você pode fazer análises ricas de um objeto pobre, mas aí você tem que ter no mínimo um contexto, uma bagagem. Eu não conseguia perceber os livros que eu lia naquela época como um nicho, ou como fruto de um país e uma época, porque quando tudo que você consome é isso, lógico que você não vai achar que é um nicho. É tipo fãs da Marvel que desprezam filmes iranianos que só existem na cabeça deles e não acham que estão em um nicho também. Então por mais que em tese nada impedisse a mim ou a ninguém de comentar sobre os livros de outra forma, não tinha bagagem mesmo pra perceber que tava faltando, e ficava nesse ciclo.
    E por falar em ciclo... eu pensei imediatamente nesse texto (e em terminá-lo, ha) quando vi um tiktok de uma moça falando como ela percebia que algumas leituras emburreciam ela. Ela falava que basicamente ler livros da Collen Hoover deixou ela travada pra livros mais densos, que ela gostava de ler antes, e que agora pretende balancear os dois tipos de leitura. O mais interessante foi ver os comentários pedindo dicas de quais “clássicos” ler, algo que é extremamente comum de ver nesse tipo de conversa (além das pessoas xingando o Machado de Assis sem ele merecer).
    No meu caso, mesmo que o tipo de livro que eu lia mudasse, demorou um bom tempo pra o tipo de leitura que eu fazia mudar. O que eu queria que as pessoas pensassem era que simplesmente ir ler um livro mais antigo sem nenhum interesse específico, direcionamento ou contexto sobre aquilo quase nunca é uma boa ideia. Porque você acha que coisas boas de verdade não precisam de contexto pra serem entendidas, mas o que você não sabe é que em 2008, Kegin Feige lançou o filme do homem de ferro, e então depois disso os super heróis estavam em todas as coleções... Seu filme foi escolhido pra você pelas pessoas dessa sala

    Enfim, uma experiência muito engraçada de leituras mais recentes de livros “clássicos” (dando como exemplo O Corcuda de Notre Dame) é perceber como o “enredo”, ou a intriga, se formos utilizar um termo mais técnico, na verdade é uma parte muito superficial do conteúdo do livro, principalmente nesse livro em específico. Simplesmente contar a história do que acontece não faz justiça, porque existem milhares de coisas não-essenciais ao enredo que compõem o que aquele livro é, e isso é muito mais complexo e difícil até do que construir um enredo, se eu arrisco dizer. Não consigo nem formular como é essa sensação de você estar lendo algo em que o autor não está só te contando uma história, mas ele tá reformulando a sua visão e experiência do mundo ao seu redor através desse mini mundo que ele criou. 

    Acho que comecei a entrar em devaneios então vou parar por aqui. Não é bem uma conclusão porque parece que eu tô o tempo todo escrevendo sobre isso... Eu acho que todas essas coisas são absolutamente desimportantes, mas são coisas que eu vivi, então pra alguma coisa essas vivências tem que servir. 

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Essa não é uma resenha

|| 1 Comentario

    Eu li um mangá bem interessante graças a um texto de blog (temos um padrão aqui?). Aproveitando que eu estou leitor de mangá recentemente, e gostando bastante... O texto comentava algumas obras sobre idosos em comparação com um tipo de conto folclórico japonês chamado literalmente "jogar idosos fora". O mangá em questão é Tempest (2018), uma one-shot do Asano Inio (essa é a única obra que eu já li dele).

    A verdade é que a motivação desse texto começou com o grande espelho mágico (algoritmo do TikTok) me revelando o vídeo de uma fã assistindo o filme Feios, adaptação que devia ter saído há no mínimo 10 anos de uma série de livros lá de 2003... E enquanto eu lia o mangá eu pensava em como ele tem coisas que nós, fãs desse tipo de livro, achávamos que eles tinham. Então eu resolvi escrever não sobre o mangá em si, mas uma tentativa de comparação com o gênero de livros "distópico adolescente" que bombou no início da década de 2010. Você está pronto pra uma viagem no túnel do tempo?

    Nas primeiras páginas de Tempest tem um discurso de um primeiro ministro explicando a nova legislação, de que a partir de uma certa idade os senior citizens (idosos) precisarão entregar seus cartões de direitos humanos e ir morar em uma instituição criada pra “cuidar” deles. Existe uma série de explicações burocráticas e termos introduzidos pra maquiar a realidade de que basicamente estão forçando os idosos a morrer. Bom, forçando não, porque isso é coisa de ditadura, estão dando a eles três opções de escolha em que apenas uma (o suicídio) é viável, inclusive com benefícios financeiros pra isso. As outras opções consistem em morrer de qualquer jeito, mas de forma bem mais humilhante e você não vai ganhar nada a mais por isso, a não ser alguns anos de vida, olha só. Essa sim é uma configuração digna das nossas democracias, e por causa disso eu achei esse mangá tão interessante: é extremamente familiar, tendo vivido no Brasil cada vez mais neoliberal dos últimos anos.

    Paralelo às falas do primeiro ministro, o leitor acompanha um personagem que está estudando pra fazer um teste. Como ele não quer usar a opção de suicídio assistido oferecida da instituição, ele e alguns gatos pingados resolvem fazer o teste que consiste em 500 questões, e precisa ser respondido perfeitamente pra passar. Caso passem, eles voltam pra sociedade com seus cartões de direitos humanos. Caso não, que é o que acontece na história, eles voltam pra sociedade (leia-se: são expulsos do lugar sem nem as roupas do corpo) sem direitos humanos. Tudo dentro da legalidade e com livre opção de escolha, amém.

     Dá pra ver também um pouco do cotidiano dessa instituição e como ela é condescendente com os residentes.  Instrutores fazem rotinas de exercícios que lembram ginástica laboral e fazem parecer que os idosos ainda precisam produzir, mesmo estando teoricamente “aposentados”. Professores mais jovens ministram aulas sobre “educadamente recusar” caso alguém mais jovem te ofereça o assento, porque agora a prioridade é a juventude. Eles são o tempo todo inferiorizados, mas com uma camada extremamente amigável por cima, que torna tudo ainda pior.

    O trecho de uma idol adolescente falando na televisão sobre ter dado a luz ao ser terceiro filho com 17 anos é algo que eu penso que uma hora vai acontecer (idols sendo usados pra promover natalidade)... Mais do que isso, é um ponto muito bem colocado de construção de mundo; desde o início dá pra entender o motivo da eliminação dos idosos, mas nesse momento você tem um exemplo real de como aquilo está afetando outras partes da sociedade; meninas estão sendo estimuladas (forçadas) a dar a luz na adolescência, agora tem creches em todo lugar. O mercado idol é um reflexo disso, ele também serve como um estimulante e uma opção de escape, oferecendo uma realidade alternativa e mais bonita, ao mesmo tempo que também exaltam o patriotismo japonês. Nas poucas cenas em que vemos do “mundo real” fora da instituição ou da TV, as pessoas estão reclamando dos trens  estarem paralisados de novo e que algum “idoso tóxico” deve ter se jogado nos trilhos. Como vimos na pandemia, a economia não pode parar.

    Depois de ser expulso da instituição e se encontrar com um grupo de idosos pelados assim como ele (as roupas pertencem ao local, mais um ponto da humilhação), o nosso protagonista vaga pela cidade quase como um leproso, antes de ser morto por um “robô”. Morto não, abatido (put down), já que ele não tem mais direitos humanos. A cereja do bolo é descobrir que esse robô é outra idosa, a ex-mulher dele, que conseguiu passar no teste e foi reintegrada à sociedade como cidadã produtiva. Antes mesmo do boom dos NFTs e da inteligência artificial o autor já tinha sacado que essas supostas revoluções tecnológicas são gambiarras que disfarçam muito trabalho humano exploratório, e só servem pra atender aos interesses dos super-ricos.

    Pra mim esse mangá se encaixa muito bem na categoria literária de conto; é uma história curta, direta, com um desenrolar bem preciso pra entregar o argumento que ela quer passar. Mas nem por isso ela deixa de ser complexa, minunciosa e bem construída. Agora vamos voltar mais atrás...

    A série Feios se passa num futuro "pós-escassez" (Pós-escassez é uma forma alternativa de economia ou engenharia social, em que bens, serviços e informação são universalmente acessíveis, segundo a Wikipédia) em que as crianças de adolescentes são chamadas de Feios, e aí aos 16 anos elas passam por uma série de cirurgias e passam a se chamar Perfeitos, e então a única ocupação deles é ir em festas. O grande plot twist é que a cirurgia também mexe com o cérebro, e elas são feitas pelo governo pra deixar as pessoas mais dóceis. Tipo assim, eu entendo que esse livro saiu no auge da ascensão da Britney e da Paris Hilton e ele quis fazer uma grande crítica contra plásticas e o padrão da magreza, mas... parece meio incompleto, pra não dizer perda de tempo, falar sobre padrões de beleza sem falar sobre os motivos pelos quais eles existem, e esses motivos sempre são econômicos e sociais de um jeito ou de outro. Nesse universo não existe ninguém lucrando com essas cirurgias, as mulheres não parecem ser mais afetadas do que os homens, também não existem mais diferenças raciais... ah, senta lá, Cláudia.

    Essa série antecipou em alguns anos o fenômeno que marcou o gênero que eu quero comentar aqui: Jogos Vorazes. Durante e depois desse boom, as linhas de produção do mercado editorial se dedicaram a colocar pra fora o máximo possível de romances com a mesma pegada, e as caldeiras foram aquecidas a todo vapor. Dois elementos eram constantes: romance adolescente e "crítica social". [1] Hoje em dia eu penso que a forma como funcionam os distritos de Jogos Vorazes não faz sentido nenhum, além de várias outras questões da história, mas ainda acho ela válida - provavelmente é a nostalgia falando mais alto (Até porque aprendemos com o BBB que um reality show pode sim mudar os rumos de um país!). Agora nas obras que saíram depois, a combinação fica cada vez mais esquisita e você tem narrativas com opressões arbitrárias de certos membros da sociedade. Divergente - a sociedade é dividida em traços de personalidade dignos de casas de Hogwarts. A Seleção - mais uma vez a sociedade é dividida em castas e algumas meninas podem participar de um concurso de princesas (? eu acho, nunca li). Matched - o governo te dá um soro da felicidade e escolhe seu par pra se casar, mas a personagem se apaixona por outro, oh não! [2]

    A situação aleatória sempre é desafiada por uma personagem sem sal que vai conseguir mudar o destino do país com base no poder do romance. Ah, e é quase que obrigatório ter algum tipo de ritual de passagem que vai acontecer na adolescência ou quando os personagens completarem 18 anos e que vai determinar o papel deles na sociedade. Esse evento geralmente serve de catapulta pra narrativa e às vezes também representa vagamente o vestibular, e você leitor adolescente vai achar essa comparação um grande mousse.

    Falando de forma mais ampla, o grande defeito que eu enxergo em todas essas obras ocidentais, inclusive as antigas e aclamadas, é que o o pior que elas enxergam na sociedade se resume a um governo malvadão, de forma aleatória e sem muita verossimilhança... parece algo saído diretamente de uma caricatura dos anos 80 contra a União Soviética. Parece que tem uma confusão básica entre governo e os detentores da riqueza e do poder. Nada mais americano. Outra coisa complicada é que os livros sempre se passam nos Estados Unidos, só que de uma forma que parece que esse foi o único país que sobrou no mundo, e nenhum livro parece saber ou se perguntar o que realmente seria dos Estados Unidos sem a dominação que eles exercem sobre outros países. Talvez a mensagem desses livros pra um leitor americano seja: é melhor a gente bombardear outros países, porque se não tiver mais ninguém pra oprimir no futuro, os oprimidos vão ser vocês.

    A série Feios, por exemplo, não explica como a sociedade se tornou rica a ponto de ninguém precisar trabalhar (e porque o governo precisaria controlar as pessoas nessas circunstâncias). É como se a lógica subjacente fosse de que o governo controla as pessoas e em troca dá a elas uma sobrevivência e uma distração, mais ou menos o que tem em Matrix também (falando em marcos de uma época, né).  O irônico é que não isso que se vê no nosso mundo. À medida que a economia se torna mais opressiva, não é como se te “dessem” um pão e circo, na verdade mais e mais modelos de negócio estão surgindo com base em tirar coisas e te forçar a comprar suas distrações e também sua própria sobrevivência. Ou então, coisas que antes eram compradas (como músicas e filmes) passam a ser alugadas a partir de um serviço, pra que você fique pagando pro resto da vida.

    Enfim, não que eu tenha grandes conhecimentos de Política ou História, então tudo isso foi um grande “eu só acho engraçado que...”. Em relação aos livros que eu mencionei, é óbvio que o elefante na sala é esse: o principal objetivo deles é entreter e eles não são tão profundos assim. E digo isso não como um escudo pra críticas mas reafirmando a possibilidade de criticarmos sim, mesmo considerando a função e público alvo. Porque com certeza até hoje tem gente achando certas coisas um grande mousse, como eu já achei lá atrás, e aí surgiu essa onda de ai deixe as pessoas lerem o que elas quiserem, nem tudo precisa ser tão profundo assim pra piorar tudo. Tudo bem minha filha, se você quer passar o resto da vida lendo coisas que parece que saíram da cabeça do Luciano Huck é uma escolha sua.[3] Eu realmente tenho uma implicância forte com praticamente tudo relacionado à personalidade booktoker/leitora de internet, o tipo de implicância de quando vivenciou alguma coisa na pele. Olha aqui onde eu tô pisando, é o meu local de fala. 

    E falando nisso, enquanto escrevia esse texto lembrei de uma outra faceta da minha personalidade leitora teen, o meu blog de resenhas, então vou explorar um pouco mais dela numa continuação desse texto... Que bom que você já encarou sua criança interior, mas e o adolescente interior?

 

Notas

[1] O mais engraçado é que ao contrário do que todos os canais literários da época diziam, e que todo leitor que se prezasse repetia com ardor, eu acho que a fonte mais importante pra Jogos Vorazes não é 1984 ou Admirável mundo novo, e sim Crepúsculo. Triângulos amorosos vendem...

[2] Uma vez eu achei uma conta no Tiktok só voltada pra esse tipo de livro dessa época, eu realmente preciso procurar de novo

[3] Por outro lado, você pode sim fazer leituras ricas de objetos com pouca complexidade e vice-versa, mas isso já é assunto pra outra conversa. Além do mais, um sommelier pode fazer uma degustação de suco Kapo mas você não vira sommelier fazendo só degustação de suco Kapo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Resposta à escrita sobre a escrita

|| 3 comentários

"A única coisa certa é o futuro, o passado está sempre mudando"[1]

    Baseado no texto de um blog amigo que me atravessou mais do que eu esperava e em anos de conversas contínuas, eu resolvi desenrolar esse pequeno novelo de pensamentos. O texto falava sobre não conseguir escrever, ou mais precisamente, não conseguir organizar os pensamentos, experienciar eles de forma muito caótica durante a leitura (que, aprendemos, é a fonte da escrita), e também precisar "traduzir" seus pensamentos pra se comunicar, o que se torna muito cansativo então em algum ponto você só não faz.
       A partir daqui já são conclusões/interpretações minhas. 
   Essa descrição ressoou comigo em tantas camadas porque esse mesmo processo do não escrever também se torna não falar, não se importar, não agir, não viver. Se preservar é também se restringir, se isolar, se achatar, se esvaziar. Mas calma, vamos tentar manter um foco. E por falar em foco...
 
ATENÇÃO
(Esse texto não contém referências bibliográficas, infelizmente)
 
    Um dia desses vi um Tik Tok que dizia que a atenção é o recurso mais poderoso, e por isso ele está sendo explorado tão intensamente pelo capitalismo (algoritmos, publicidade e derivados) porque na verdade a atenção não é um recurso, ela é você. Ou melhor dizendo, você é sua atenção. Eu sei que também esse é um princípio do yoga graças a alguma leitura de 2019 (terá sido do Baghavat Gita?) Mas enfim, algo nas linhas de: "eu não sou um corpo, eu não sou uma mente, eu sou a consciência que tudo observa". Por outras vias, a gente também pode observar que isso se trata do processo de subjetivação; veja bem, sujeito não é a mesma coisa que indivíduo. Você nasce um indivíduo mas se torna um sujeito à medida que se torna consciente (de preferência elaborando pela linguagem) do seu próprio interior, ou melhor dizendo, nesse "se tornar consciente" você vai produzir uma imagem de si mesmo, o sujeito. Esse princípio é mais ou menos encontrado na psicologia lacaniana, de acordo com outro Tik Tok que eu nunca mais vou achar, e também na percepção da linguagem bakhtiniana.
    Mas infelizmente eu não tenho bagagem pra falar sobre essas áreas de estudo pra além disso. Já o Tik tok é uma ótima fonte de conhecimentos aleatórios, dispersos e rápidos, o que nos traz de volta ao nosso ponto inicial. A questão é:

 Como ser você mesmo se você não controla sua atenção? 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Colagem

|| 1 Comentario



And I'm afraid, ah
I'm so afraid, ah
"What if I lose?" Is what I think to myself
I'm fine in my shell, I'm afraid of it all, afraid of loving you

Janelle Monaé - So Afraid

    Nessa música (recomendo) ela descreve a vida acontecendo em volta dela enquanto ela está trancada no quarto, todas as pessoas e coisas parecem se movimentar em harmonia e sem esforço, menos ela... inclusive o eu poético da música parece ser adolescente. Enquanto ouvia agora tive a impressão de que ela descobriu a própria sexualidade porque antes do refrão ela fala sobre ficar no quarto "escrevendo cartas pra igreja", o que explicaria o "afraid of loving you".Mas claro que essa parte também pode ser sobre amor próprio. Ela diz pra si mesma que está tudo bem ficar na própria "concha", e esse medo trava o aprendizado...

terça-feira, 17 de setembro de 2024

L'amour Toujour

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Começando a sintonizar o seu mais novo programa que não tem dia nem horário certo, muito menos programação